‘Ideb alto é alcançado à custa da expulsão do jovem trabalhador das escolas’. No Estado, 55 municípios não ofertam ensino médio regular noturno. “Governo não quer esses alunos”, denuncia Majeski

FERNANDA COUZEMENCO
05/11/2021 17:44 | Atualizado 05/11/2021 17:42

 

Cinquenta e cinco municípios capixabas não ofertam atualmente o ensino médio regular noturno, o que praticamente inviabiliza que os jovens trabalhadores concluam seus estudos. E a evasão escolar decorrente dessa ausência tem aumentado nos últimos anos, alerta o deputado estadual Sergio Majeski (PSB), com base em dados oficiais do próprio governo do Estado e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e em relatos e visitas às escolas e comunidades periféricas do Espírito Santo.

O triste cenário de exclusão, em escalada crescente pelo menos desde 2015, já atinge mais de 200 mil adolescentes e jovens entre 15 e 29 anos no Espírito Santo, metade deles entre 15 e 17 anos, ressalta o deputado.

Em 2015, no início da última gestão de Paulo Hartung e de seu primeiro mandato na Assembleia Legislativa, relata, as estatísticas mostravam em torno de 20 a 30 mil estudantes do ensino médio fora da escola. Em 2019, quando Renato Casagrande (PSB) assumiu, o IBGE mostrou 100 mil nessa situação, na idade entre 15 e 17 anos, e 200 mil entre 15 e 29 anos. “Em quatro a cinco anos, triplicamos esse contingente de excluídos. É óbvio que isso tem uma relação direta com o fato de não haver a oferta adequada de ensino regular noturno”, aponta.

Medidas para reverter esse processo, no entanto, não foram tomadas por nenhum dos dois gestores estaduais. “Casagrande criticou o fechamento do ensino regular noturno no seu programa de governo [na eleição de 2018]. E o que a Secretaria de Educação [Sedu] fez até agora para o retorno desses alunos? Uma grande campanha, busca ativa, censo? Não fez nada! E nem vai fazer”, critica.

Segundo Majeski, “houve uma estratégia macabra e criminosa para economizar dinheiro às custas da educação – fechando aleatoriamente grande quantidade de turnos, escolas e turmas, sem nenhum estudo efetivo que leve em consideração as necessidades dos alunos”. Ao mesmo tempo, acrescenta, o governo consegue elevar o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador que estabelece um ranking dos desempenhos dos estados e municípios no setor. “Mataram dois coelhos com uma cajadada só. Quando expulsa os alunos do ensino noturno da escola, o Ideb sobe. Esse segundo lugar [que o Estado alcançou na última avaliação nacional], em parte, se dá as custas dessa estratégia de Hartung e Casagrande. O Ideb é conquistado à custa da expulsão do jovem trabalhador das escolas”, denuncia o parlamentar.

“Quando foi a última vez que se viu um governo fazer uma campanha decente junto aos jovens, incentivando o retorno para escola? O governo não quer esses jovens na escola, porque são eles que puxam para baixo o Ideb. Quando retira esses estudantes da escola, o Ideb sobe, e é isso que interessa para os governos, essa competição, essa propaganda mentirosa em cima do Ideb”, descreve Majeski, que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa do Cumprimento dos Planos Nacional (PNE – 2014/2024) e Estadual de Educação (PEE – 2015/2025).

“Milhares de jovens não têm opção. Precisam trabalhar. É a realidade socioeconômica do país. Termina o fundamental com 15, 16 anos, ainda não pode ir pro EJA [Educação de Jovens e Adultos], somente depois dos 18 anos. Teoricamente, então, ficariam dois a três anos sem estudar, para depois voltar. Mas na realidade, eles não voltam! Com alguns meses que ficam fora da escola, arranjam um trabalho…e não conseguem voltar. E é pra essa realidade que exigimos uma resposta, uma solução”.

Os pedidos de resposta e ação já foram muitos aos órgãos de Justiça. O último, encaminhado ao Tribunal de Contas (TCE-ES), que notificou a Sedu sobre a ausência do ensino médio regular noturno em 55 municípios. Como resposta, a Sedu apresentou uma tabela relacionando números de vagas, matrículas e taxa de ocupação das escolas, de 2015 a 2021, alegando que, no início desse período, a redução da oferta de vagas (de 34.768 em 2015 para 6.237 em 2021) é uma resposta à redução da procura por matrículas (de 19.353 para 4.780). “A redução de vagas acompanha a diminuição da demanda, e não o contrário”, alega a Sedu, no documento assinado pelo gerente André Melotti Rocha e o subgerente Sandro Ricardo de Souza.

O argumento, porém, não se justifica, aponta Majeski. “Fato: 55 municípios não possuem ensino médio regular noturno. E na Grande Vitória conta-se nos dedos as escolas que oferecem. O Estatuto da Criança e do Adolescente determina que o governo deve oferecer as vagas de acordo com a necessidade dos alunos. Em nenhuma parte do arcabouço legal da Educação no Brasil diz que se pode fechar uma escola porque ela só tem 20 ou 10 alunos. Se fechar, tem que garantir que os alunos poderão ir para outras escolas. Colocar um ônibus não é garantia. Se trabalha, não vai conseguir se deslocar por uma ou duas horas até a escola em outro município. Vai abandonar os estudos”, explica.

As poucas escolas que conseguiram sobreviver ao “massacre” intensificado nas duas últimas gestões estaduais, sublinha Majeski, foram as que tiveram ampla mobilização popular, como foram os casos emblemáticos de Afonso Claudio, na região serrana, e Alegre, no Caparaó.

Ministérios Públicos

Além do TCE, Majeski também já acionou os Ministérios Públicos Federal e Estadual (MPF e MPES) e a Assembleia Legislativa, com o mesmo pedido de intervenção junto à Sedu em favor do aumento da oferta do ensino médio regular noturno.

Nos documentos enviados aos órgãos ministeriais, o deputado argumenta que no próprio programa de Governo de Casagrande, registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há o reconhecimento dos erros cometidos pela administração passada em relação à diminuição drástica da oferta do ensino noturno, e que, mesmo assim, nada ainda foi feito para cessar tal omissão do Estado, que deixa milhares de jovens à margem do acesso à educação, retirando-lhes a oportunidade de ascensão social por meio da qualificação.

Emenda Constitucional

Na Assembleia, o pedido tramita em forma da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 02/2021, impetrada em junho com apoio de outros parlamentares, prevendo a inclusão, na Constituição Estadual, da obrigatoriedade da oferta do ensino médio regular noturno em todos os 78 municípios capixabas, em ao menos uma unidade de ensino, independentemente da quantidade de frequentadores.

Até o momento, a PEC recebeu parecer favorável do procurador-geral da Casa, Rafael Henrique Guimarães Teixeira de Freitas, que concluiu pela “constitucionalidade, admissibilidade, legalidade, juridicidade e boa técnica legislativa”, conforme parecer técnico anterior.

Bibliotecas escolares

Em outra representação ao TCE, Majeski também solicita Medida Cautelar para que o Estado adote as medidas necessárias para implantar e estruturar bibliotecas nas escolas da rede estadual, respeitando a profissão de bibliotecário. “Vinte e dois por cento das escolas estaduais não possuem ou mantêm bibliotecas que não atendem às normas, segundo o Censo Escolar do Inep [Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira]”, ressalta.

“Infelizmente, essas são realidades tristes que comprometem a formação e o desenvolvimento das pessoas. Como incentivar a leitura e contribuir com a alfabetização se as escolas não possuem bibliotecas bem estruturadas e com profissionais? Nada disso que estamos cobrando são coisas mirabolantes. Tudo já está previsto na legislação, basta cumprir”, reforça.

Municípios sem ensino médio regular noturno

De acordo com a base de dados da Transparência da Sedu, não há a oferta desta modalidade de ensino nos municípios de Água Doce do Norte, Águia Branca, Alegre, Alto Rio Novo, Apiacá, Aracruz, Atílio Vivácqua, Baixo Guandu, Barra de São Francisco, Boa Esperança, Bom Jesus do Norte, Cariacica, Castelo, Conceição do Castelo, Divino São Lourenço, Domingos Martins, Dores do Rio Preto, Ecoporanga, Fundão, Governador Lindenberg, Guaçuí, Ibatiba, Ibiraçu, Ibitirama, Iconha, Irupi, Itaguaçu, Itapemirim, Itarana, Iúna, Jerônimo Monteiro, João Neiva, Laranja da Terra, Linhares, Mantenópolis, Marataízes, Marechal Floriano, Marilândia, Mimoso do Sul, Montanha, Mucurici, Muqui, Pancas, Pedro Canário, Ponto Belo, Presidente Kennedy, Rio Bananal, São Domingos do Norte, São Gabriel da Palha, São José do Calçado, São Roque do Canaã, Sooretama, Vargem Alta, Venda Nova do Imigrante e Vila Pavão.

Fonte: https://www.seculodiario.com.br/educacao/ideb-alto-e-alcancado-a-custa-da-expulsao-do-jovem-trabalhador-das-escolas