O anúncio do governo de São Paulo de leilão para concessão da construção e gestão de 33 escolas radicaliza o processo de privatização da educação pública paulista e, como tal, compõe um programa de privatização e desmonte do Sistema Estadual de Educação.
Em maio de 2024, Tarcísio de Freitas apresenta à população paulista o programa de Parceria Público Privada – PPP “Educação Novas Escolas”, na modalidade de Concessão Administrativa, regulada no Brasil pela Lei Federal 11.079/2004. São Paulo é o segundo caso de PPP na Educação a se ter notícias, o primeiro foi no município de Belo Horizonte em 20121 A concessão administrativa de São Paulo, prevê “a construção, manutenção, conservação, gestão e operação de 33 novas unidades de ensino” para a oferta do Ensino Médio e Ensino Fundamental, anos finais, abrangendo, segundo o governo, “serviços não-pedagógicos”. O investimento previsto é de 1,6 bilhão de reais, 2,5 milhões de despesas operacionais e o prazo para concessão de 25 anos (https://www.parcerias.sp.gov.br/Parcerias/Projetos/Detalhes/153). O tipo de ativo descrito como disponível pelo governo é denominado de Greenfield que, no jargão financeiro, significa explorar áreas totalmente novas, sem nenhuma infraestrutura prévia (Nexor, 2024 –
https://nexor.com.br/artigos/greenfield.html).
Tarcísio leva a fama, mas em verdade dá continuidade a projeto do governo anterior que, em agosto de 2019, submeteu a proposta ao Conselho Diretor do Programa de Desestatização – Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas – a partir da apresentação realizada pelo então secretário de educação Rossieli Soares da Silva (Ata da 5ª reunião Conjunta – https://www.parcerias.sp.gov.br/Parcerias/Projetos/Detalhes/153).
No governo atual, a proposta de PPP passou por audiências públicas compostas, majoritariamente, por representantes do governo e de organizações que assessoram a implantação do modelo (FVG e FNDE) e ficou aberta a sugestões no texto até janeiro de 2024. As chamadas para inscrições nas audiências se restringiram ao site do governo do estado, dificultando ampla participação e debate.
1 Modelo de PPP foi ganho por consórcio constituído pelo então Grupo Odebrecht – INOVA BH –
vendido em 2018 para o grupo Transportes Pesados S/A (Transpes) especializado em logística.
A “arquitetura” da PPP, projetada para Educação em São Paulo, ainda que encontre respaldo legal para sua operacionalização, explicita seu descompromisso com a maior rede pública da América Latina ao subordinar o funcionamento de escolas à lógica de “menor preço”.
A falácia de que se trata de uma PPP para “serviços não-pedagógicos” é confirmada pelo próprio governo ao prever a construção de escolas com “ambientes integrados, espaços de inovação e de estudo individual”. Planejar e organizar espaços arquitetônicos das unidades escolares influi diretamente no processo pedagógico (Aquinord, Eliane Cristina Gallo; Araujo Elisabeth Adorno de. Lugar-escola: espaços educativos. Rev.Mal-Estar Subj, Fortaleza , v. 13, n. 1-2, p. 221-248, jun. 20130) e será pensado por quem nunca pisou em uma escola. Além disso, os e as trabalhadoras que comporão as equipes de apoio – secretaria, zeladoria, merendeiras, agentes escolares – estarão subordinados à empresa concessionária.
Prever separar a gestão administrativa da pedagógica, como supõe o governo, além de ser impossível na prática (Paro, 2010) entra no rol dos equívocos anunciados e fere o princípio da gestão democrática do ensino público garantido pela CF/1988 e pela LDB 9394/1996, tendo em vista que insere sujeitos alheios à escola em processos decisórios que cabem à comunidade escolar.
Há tempos, pesquisadore.as e sociedade civil, estudam e alertam para as consequências das normativas que desregulamentam a atuação do Estado, favorecendo e ampliando a privatização de serviços públicos, e flexibilizam a gestão da administração pública, principalmente a partir da EC 19/1998 que se assenta, ideológica e materialmente, em orientações gerenciais advindas de modelos privatistas, considerados, nessa perspectiva, mais eficientes e ágeis.
O alerta também tem sido dado em relação às disputas pelos fundos públicos. Estudos têm demonstrado a incidência de organizações privadas na operacionalização de políticas educacionais em todas as suas dimensões (gestão, currículo e oferta educativa). Em São Paulo é de se destacar a atuação de organizações privadas por meio do Compromisso São Paulo pela Educação,entretanto, o controle e a gestão sobre tais políticas ainda estavam subordinadas à estrutura estatal. Essa condição é rompida com o modelo PPP, que institui a concessão por 25 anos para uma empresa com fins de lucro, mas subsidiada pelo Fundo público.
No modelo paulista, as 33 escolas serão LEILOADAS em dois lotes com previsão da participação de investidores nacionais e internacionais, serão 17 unidades no Lote 1 e 16 no Lote 2. No Lote 1 o governo indica 17.940 novas vagas, para o Lote 2, 17.160 (São Paulo, 2024 – https://www.parceriaseminvestimentos.sp.gov.br/projeto-qualificado/pppeducacao-novas-escolas/).
A ampliação de vagas no Ensino Fundamental, anos finais e Ensino Médio é política estatal importante, no entanto, mais do que novas vagas nestas etapas de escolaridade, há um consenso que se pauta em pesquisas educacionais como a de Armando Simões (2019) “Acesso à Educação Básica e sua Universalização: missão ainda a ser cumprida” de que a evasão, que gera exclusão, é um dos maiores enfrentamentos para os sistemas educacionais, principalmente no recorte dos quintis de renda mais pobres.
Conforme Simões (2019), em 2017, havia 1,5 milhão de jovens fora da escola que não haviam concluído a escolarização básica, dentre os 40% mais pobres, 80% estavam na faixa etária de 6 a 14 anos e 73% na de 15 a 17 anos, indicando que a evasão escolar, principalmente dos mais pobres, extrapola o acesso a novas vagas, carece de investimento em diferentes dimensões do sistema educacional para enfrentar o acesso desigual à escola que provoca interrupção na trajetória escolar e isso não se resolve na pactuação da PPP proposta pelo governo de São Paulo.
De acordo com a minuta do Edital, a regra para anunciar o vencedor da disputa se pauta no “menor preço”indicando que a qualidade pouco importa. Uma visita aos buscadores da internet localiza com facilidade os problemas decorrentes de concessões ( PPP) realizadas pelo setor público para o setor privado. A baixa qualidade do serviço prestado pela Companhia Paulista de
Trens Metropolitanos (CPTM), antes e depois da privatização, é um exemplo emblemático em São Paulo, seguido da interrupção dos contratos. O que dizer do setor elétrico? E dos inúmeros problemas de segurança, impacto ambiental, das mortes causadas pela Vale do Rio Doce?
O que se sublinha é que a efetivação dos direitos sociais – Art 6º de nossa Constituição Federal, que inclui o direito à educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social e proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados – não pode ser submetida a interesses privados. Estes precedentes ilustram ainda a falta de transparência e a insuficiente “accountability” dessas políticas. Mais especificamente, no caso desta PPP, há implicações para a concretização do Direito Humano à educação e para o cumprimento dos princípios constitucionais do DEVER do Estado para com a educação, seja pelo aprofundamento de desigualdades já existentes na rede ao propor um “novo” conjunto de escolas nos moldes especificados na Minuta do Contrato e na Minuta do Edital, injetando bilhões de reais na iniciativa privada e secundarizando o investimento na conservação e melhorias das escolas já existentes, ferindo o princípio da igualdade de condições de acesso e permanência inscrito na CF/1988 e na LDB 9394/1996. Seja pelo desrespeito à acessibilidade, mecanismo viabilizador do do Direito Humano à Educação (Tomasevski, 2001; 2004) e na medida em que o modelo de PPP ignora a diversidade de estudantes e profissionais da escola, especialmente o público alvo da Educação Especial.
Não se trata de mera coincidência a privatização das escolas públicas compor a agenda de diferentes governos além de São Paulo, como Minas Gerais e Paraná, todos ancorados no bolsonarismo que se assenta no espectro de uma direita extremista. Está em curso a consecução de um projeto político no qual a responsabilidade do poder público para com a garantia do direito à educação se reduz, enquanto os benefícios a atores privados se ampliam. A liberalização no plano econômico se associa ao retrocesso no que se refere aos direitos de pessoas historicamente excluídas como os da população negra, LGBTQIAPN+ e de jovens pobres das periferias.
Diante destas medidas que degradam a educação pública paulista, negam a importância do Sistema público e estatal de educação e debilitam a oferta educacional em condições de igualdade às novas gerações de paulistas, o Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional – GREPPE – e as organizações que assinam esta nota, manifestam-se contrariamente ao LEILÃO de nossas escolas e reafirmam que a educação pública não deveria ser um balcão de negócios. Reafirmam, ainda, a defesa histórica da educação pública, popular, gratuita, com gestão pública, democrática, inclusiva e de qualidade social para todos/as!
Esta nota será encaminhada para o Conselho Estadual de Educação de São Paulo; Fórum Estadual de Educação do estado de São Paulo; Congregações das Faculdades de Educação das Universidades Paulistas.
Assinam esta Nota:(dentre outros)
Associação Brasileira de Ensino de Biologia – SBEnBio
Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais – ABECS
Associação Brasileira de Ensino de História (ABEH)
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope-SP)
Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca)
Associação Nacional de Política e Administração da Educação (Anpae)
Associação de Professores Adjuntos De Campinas – APAC
Apeoesp – Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo
APROFFIB Associação de Professores/as de Filosofia Filósofos/as do Brasil