Diplomata Heiko Thoms vê avanços no diálogo, mas diz que tour pela região não mudou posição da Alemanha sobre como governo lida com desmatamento e incêndios. Ele aponta para falta de plano de ação de longo prazo.
Na semana passada, o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia, comandou uma viagem a três cidades da região amazônica com embaixadores de diversos países. Seu objetivo era apresentar aos diplomatas a atuação do governo Jair Bolsonaro no meio ambiente, alvo de críticas frequentes da comunidade internacional, com reflexos na reputação de empresas brasileiras, no bloqueio dos recursos do Fundo Amazônia e em dificuldades para a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia.
Um dos embaixadores presentes na viagem era o representante da Alemanha no Brasil, Heiko Thoms. Em entrevista à DW Brasil, ele afirmou que a iniciativa de Mourão foi positiva para ampliar o diálogo com o governo brasileiro, mas acrescentou que ela não mudou a percepção do governo alemão sobre o governo Bolsonaro e que não há previsão para a retomada das transferências ao Fundo Amazônia — que também é financiado pela Noruega e tem hoje cerca de R$ 3 bilhões bloqueados — ou para a ratificação do acordo de livre comércio entre os dois blocos.
Thoms dirige críticas à ausência de um plano de ação do governo brasileiro para reduzir o desmatamento e as queimadas que inclua medidas concretas e metas, e diz que, sem apresentar uma redução nos números do desmatamento, não haverá mudança no entendimento do país europeu.
“O governo [brasileiro] está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre onde estão e quão grande é o problema. Há instrumentos para combater. E há órgãos governamentais muito bons. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas. Isso não existe no momento”, afirmou.
Questionado sobre preocupações do governo brasileiro sobre sua soberania na Amazônia, tema enfatizado com frequência por Bolsonaro, Thoms afirmou que ninguém questiona a soberania do Brasil na região. Pelo contrário, ele disse esperar que o país efetivamente coloque em prática seu poder de Estado na área.
“O Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia, combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum de que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser”, afirmou.
O tour incluiu as cidades de Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Maturacá, próxima à fronteira com a Venezuela, e passou longe do arco do desmatamento, nas fronteiras leste e sul da Amazônia, onde ocorrem hoje os maiores danos à floresta, ressalta Thoms. Ele disse que o vice-presidente se comprometeu a organizar uma nova viagem com os diplomatas a essas áreas.
DW Brasil: Qual foi a sua impressão sobre a viagem à Amazônia organizada por Mourão?
Heiko Thoms: Encarei essa viagem como um convite para um diálogo contínuo e fortalecido com pessoas importantes no governo brasileiro. E esse diálogo realmente aconteceu quando estávamos lá, o que foi muito positivo. Mas gostaríamos de ter ido com mais detalhe a algumas áreas.
A quais áreas?
Fomos a regiões que ainda têm seu meio ambiente relativamente intacto. Sabemos que, em algumas das áreas onde fomos, também há garimpo ilegal de ouro e desmatamento ligado à mineração. Mas teria sido interessante ir também às áreas de transição, onde a maior parte do desmatamento está ocorrendo [nas fronteiras leste e sul da Amazônia].
Isso não significa que não saibamos qual é a situação na Amazônia como um todo. Temos cooperado com o Brasil nos últimos 30 anos e estamos bem cientes do panorama geral. Além disso, há dados de ótima qualidade de órgãos brasileiros.
Não foi estranho participar de uma viagem dessas que não incluiu áreas onde o desmatamento mais cresce?
Creio que foi uma tentativa do vice-presidente para nos mostrar outros aspectos. Há uma percepção de que, na Europa, achamos que a Amazônia inteira está queimando. Mas é claro que essa não é nossa percepção, sabemos onde isso está acontecendo, especialmente nas áreas de transição, e que há regiões onde os ecossistemas estão bem. Sabemos que há incêndios e que o desmatamento está aumentando. Estamos muito preocupados que os números a serem divulgados nos próximos dias mostrem uma nova alta [no desmatamento].
Quais cidades foram visitadas?
Primeiro fomos a Manaus e fizemos uma viagem ao interior, onde discutimos problemas relativos à regularização fundiária, um tema no qual a Alemanha tem projetos bilaterais com o atual governo. Depois fomos a São Gabriel da Cachoeira e a Maturacá, que fica próxima ao Pico da Neblina [na fronteira com a Venezuela].
Com quem o sr. conversou na viagem?
Tive várias conversas pessoais com o vice-presidente, com o ministro do Meio Ambiente [Ricardo Salles], com a ministra da Agricultura [Tereza Cristina], com o general [Augusto] Heleno [ministro do Gabinete de Segurança Institucional] e com o secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, além de outras agências governamentais.
Tive um encontro bilateral com representantes da Coiab [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira], já que as organizações indígenas não faziam parte do programa, outro ponto que gostaria que tivesse sido incluído. E com a Fundação Amazônia Sustentável. Alguns dias antes da viagem, a embaixada da União Europeia em Brasília também organizou uma grande conversa com organizações ativas nos temas do meio ambiente e indígena.
A viagem modificou a posição do governo alemão sobre como o atual governo brasileiro lida com o desmatamento e os incêndios na região?
Não, a viagem não muda nossa percepção. Estamos acompanhando a situação há bastante tempo. Para mim, a viagem foi um passo inicial para aprofundar o diálogo. E considero positivo que não há indicativos de que eles não estejam cientes da situação. O governo está informado sobre o desmatamento e os incêndios, sobre onde estão e quão grande é o problema.
Na sua avaliação, o governo brasileiro tem um plano de ação claro com metas para combater o problema?
Isso é o que é necessário. Vemos que estão cientes do problema, que há instrumentos para combater o desmatamento ilegal. Que os militares estão presentes com a Operação Verde Brasil, que a Polícia Federal é ativa. E que há órgãos governamentais muito bons, como o Ibama, o ICMBio, que têm os dados. Mas esses instrumentos precisam ser utilizados, e de uma maneira coerente. Para isso, você precisa de um plano de ação de longo prazo, com medidas concretas, cronogramas e metas numéricas. Esse seria o próximo passo esperado. Um plano de ação que defina o caminho para reduzir os números do desmatamento. Isso não existe no momento. Essa foi a minha mensagem ao governo brasileiro.
Apesar de Mourão estar à frente do Conselho da Amazônia desde janeiro, ainda não há um plano de ação claro?
Bem, eles apresentaram uma estratégia geral para lidar com a região amazônica. Mas não há ainda um plano com números.
O Fundo Amazônia, que tem cerca de R$ 3 bilhões à espera de destino, segue bloqueado desde agosto do ano passado. Essa viagem ajuda na busca por uma solução para o fundo?
A mensagem é a mesma para o fundo. Há uma crise de confiança e, para resolvê-la, precisamos ver o plano de ação, e ver ele sendo implementado, com os números [de desmatamento e incêndios] diminuindo.
Mourão falou alguma vez sobre preocupações do governo com a soberania do Brasil na Amazônia?
Não, mas vejo esse assunto aparecendo com frequência. E devo dizer: entendo a sensibilidade ao tema e de onde ele vem, mas realmente não vejo nenhuma ameaça à soberania brasileira na Amazônia. Ninguém questiona a soberania do Brasil na região.
A única coisa que eu poderia dizer ao governo brasileiro é que o Brasil precisa exercer sua soberania na Amazônia, combatendo atividades ilegais. A maior ameaça vem de pessoas que não respeitam as leis brasileiras. Temos um interesse comum que as leis sejam aplicadas na Amazônia, e estamos prontos para contribuir para que isso seja feito, se o governo brasileiro assim quiser.
Há alguma novidade sobre a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia?
Essa pergunta precisaria ser feita ao embaixador da União Europeia no Brasil, pois o tratado está nas mãos da Comissão Europeia. A Alemanha, na condição de presidente do Conselho da União Europeia [até o final do ano], está comprometida em avançar na análise do acordo, e queremos concluí-lo. Mas há pontos importantes sobre sustentabilidade e desmatamento em questão e precisamos de ações concretas.