Por Milly Lacombe
A frase que dá título a esse texto é do professor Michel Gherman e foi dita durante conversa com o economista Eduardo Moreira e com a jornalista Cristina Serra no Canal ICL.
Gherman é professor do departamento de sociologia da UFRJ, coordena o laboratório de religião, espiritualidade e política na mesma universidade, é pesquisador do centro de estudos do anti-semitismo da Universidade Hebraica de Jerusalem e assessor acadêmico do instituto Brasil-Israel.
Ele é carioca, flamenguista, judeu e uma das vozes mais interessantes para entender o estranho momento que vivemos.
Gherman acaba de lançar um livro que deveria ser leitura obrigatória para aqueles e aquelas que buscam compreender as manifestações por golpe e ditadura que estamos vendo nas ruas: “O Não Judeu Judeu.
O professor explica há algum tempo que não precisamos chamar Bolsonaro de Nazista porque ele mesmo faz isso.
Ele faz quando elogia Hitler, quando abraça e se deixa fotografar ao lado de um sósia de Hitler, quando sai em defesa de alunos de um colégio militar para que eles possam homenagear Hitler, quando usa o lema “Brasil acima de tudo”, quando repete a frase que ainda hoje está na entrada de Auschwitz “O trabalho Liberta”, quando contrata para secretário da cultura alguém que acha razoável fazer um discurso à nação fantasiado de Goebbels e repetindo suas palavras, quando tem como assessor especial um jovem que faz com a mão gestos de supremacistas brancos, Felipe Martins, quando nega o Holocausto, quando faz live bebericando um copo de leite em demonstração pública de simpatia aos valores nazistas.
Gherman diz que se surpreende mesmo com quem se surpreende vendo o crescimento do neonazismo no Brasil que, diga-se, está na ordem de 400% desde que Bolsonaro assumiu em 2018.
“O nazismo é uma estética e Bolsonaro está nos avisando quem ele é e o que defende”.
Há muitos anos.
Essa perspectiva militarizada da sociedade, que Bolsonaro desde sempre prega, foi amplamente aceita como candidatável por todos os que fizeram uma equivalência entre ele e Haddad.
Gherman acredita que o ambiente neonazista produzido por Bolsonaro não vai acabar com a saída dele do poder e que é hora de desmilitarizarmos os espíritos.
Ele aponta dois caminhos: polícia e educação.
Polícia para reprimir de imediato qualquer manifestação de cunho neonazista. Educação para que nunca mais isso volte a acontecer.
Mas que educação?
Antes de mais nada, entender quem inventou a ideia de que petistas são os inimigos.
De onde veio isso, quem nos meios de comunicação segue reproduzindo o conceito e a quem essa ideia serve?
Bolsonaro não fala em campos de concentração, mas em 2018 falou na possibilidade concreta de apontar os inimigos – os petistas – e sumir com eles na ponta da praia, que era onde a ditadura jogava corpos.
Bolsonaro disse isso dias antes de ser eleito, o que ele disse passou na TV, e o jogo seguiu.
Em seguida, é preciso entender que houve uma falência do ensino do Holocausto no Brasil.
Em entrevista ao Podcast “Roteirices”, do jornalista Carlos Alberto Jr., Gherman diz que o ensino, do modo como tem sido feito, não resolveu nada e produziu a ideia de que enquanto não houver uma câmara de gás não é nazismo. Só existe quando aparece um cara de cabelo repartido e bigodinho? Pois o cara apareceu e, ainda assim, aceitamos.
“Precisamos de uma educação antinazista. Não importa tanto 1941, importa, sim, 1933. Como uma sociedade inteira se deixou levar?”
Gherman: “Bolsonaro é o próprio Hitler. Ele usa as referências de Hitler no seu dia a dia. Acusá-lo de nazista nem é preciso. Basta escutar o que ele diz. Ele se assume nazista. A famosa palestra na hebraica do Rio em 2017, onde desfila sua perspectiva de mundo, ele faz diante de uma bandeira de Israel”.
A aparição na Hebraica e diante da bandeira de Israel não foi ao acaso; ela gera uma estética que confunde o discurso. Bolsonaro conseguiu vender sionismo para uma parte dos judeus brasileiros, explica o professor.
Outro aspecto igualmente importante é entender como Sergio Moro e a Lava Jato de Sergio Moro abriram espaço para Jair Bolsonaro. Entender o nazismo em Bolsonaro mas desconsiderar o fascismo em Moro não vai nos levar muito longe, sugere Gherman.
Gherman lembra – e, a bem da verdade, ele faz isso há muitos anos e já foi extremamente criticado até por pessoas da esquerda por fazê-lo – que o nazismo é produto de um regime politico eleito e que avançou pela indiferença daqueles que acreditavam que era preciso romper com a ordem estabelecida, lutar contra a corrupção, melhorar a economia.
“Se você não entende o nazismo de 1933 você não entende bolsonarismo”, diz o professor.
Ele diz que sacralizar os estudos e as comparações sobre o que foi o Holocausto não ajuda ninguém a evitar que ele aconteça outra vez.
“Não foram monstros que mandaram pessoas para as câmaras de gás. Foi gente como a gente. Sua tia do Zap. Homens que chegavam em casa e beijavam seus filhos e faziam carinho na mulher”, diz.
Se a gente não usa o Holocausto para entender os outros passados, a gente não usa para o Holocausto pra nada. E se o uso comparativo do Holocausto está interditado, o da escravidão também deveria estar, explica o professor.
Os estudos deveriam ensinar que não se senta à mesa com fascista. Não se entrevista fascista. Não se dialoga com fascista. Não se promove fascista nem sob a justificativa de estar fazendo jornalismo.
Só existe uma forma de se relacionar com fascistas: o combate. E aqui é importante apontar todos aqueles que abraçaram taticamente o nazismo e, até hoje, repetem que entre Lula e Bolsonaro não sabem o que fazer.
Como, por exemplo, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite que, quando teve a chance, se negou a lutar contra esse nazismo bolsonarista. O que isso diz sobre Leite? Bastante coisa.
Não fizemos isso quando havia tempo e agora estamos diante de explícitas manifestações neonazistas feitas à luz do dia em nossas ruas e praças.
Se havia alguma dúvida sobre qual era a base de apoio de Bolsonaro, agora já não há mais: A base de apoio de Bolsonaro é neonazista.
Homenagear as vitimas do nazismo é necessário: judeus, comunistas, gays, ciganos. Mas é preciso entender como as estruturas vigentes produziram o horror. Para isso temos que comparar. Para que ele não se repita. Isso é respeito.
No momento, Jair Bolsonaro está recolhido organizando sua reaparição como líder da extrema-direita. É importante escutar Gherman sobre quem é Bolsonaro.
“Bolsonaro é o cara que entrava no porão para limpar depois da tortura. Bolsonaro não é o Ustra, o cara que torturava. Ele é o cara que tira os corpos depois que Ustra sai do porão; ele limpa o porão. E ele foi escolhido [como liderança] justamente por ser uma figura do porão. O tesão do Bolsonaro é a morte”.
Nesse sentido é importante lembrar que quando Bolsonaro fala de Ustra ele fala, na verdade, de Dilma, porque o bom torturador é aquele que arranca de suas vítimas uma confissão. Mas Dilma, mesmo torturada, não confessou, e ao não confessar ela avacalha com a reputação do torturador.
“Bolsonaro transforma o porão em vitrine. Isso é novo”, diz Gherman. “Colocar o contador de corpos como liderança é novo.”
E é isso que precisamos, de imediato, estudar, compartilhar, reprimir, julgar, condenar.
Nunca mais.