Mera proibição de celulares nas escolas tende ao fracasso

Olá, hoje foi publicado na Folha um artigo escrito por mim e por dois parceiros sobre um tema polêmico: o uso de celulares nas escolas. Assinam comigo, a Profa. Monique Pessoa e o Prof. Pedro Bezerrra. É a primeira participação do DEEP-USP no debate público. O DEEP-USP é o Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação, Economia e Políticas Educacionais. Nossa posição é formada por pesquisas e evidências científicas, mas também pela experiência em sala de aula. Leciono na educação superior pública, Monique e Pedro em escolas públicas de educação básica (ensino médio e ensino fundamental).

Agradeço, se possível, a leitura e comentários. É imprescindível debatermos esse assunto.

Abraços,

Prof. Daniel Cara (USP)

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FOLHA DE S. PAULO

TENDÊNCIAS/DEBATES

 

Mera proibição de celular nas escolas tende ao fracasso

Melhor caminho é o uso racional, acordado entre professores e alunos

 

Daniel Cara

Professor da Faculdade de Educação da USP, é membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e coordenador do DEEP-USP (Grupo de Estudos e Pesquisas em Direito à Educação, Economia e Políticas Educacionais)

 

Monique Rufino Silva Pessoa

Professora de ensino médio e técnico da Etec Guaracy Silveira, doutoranda em educação (USP) e pesquisadora do DEEP-USP

 

Pedro Augusto Bertolini Bezerra

Professor de ensino fundamental da rede municipal de São Paulo, doutorando em educação (USP) e pesquisador do DEEP-USP.

 

A tecnologia sempre foi parte inerente à vida humana. Benjamin Franklin nos caracterizava como “toolmaking animals”, ou seja, animais que fabricam ferramentas.

Os celulares representam um novo capítulo da história entre nós, seres humanos, e nossas criações. Da primeira chamada móvel, realizada em 3 de abril de 1973, aos dias de hoje, os aparelhos evoluíram para smartphones e a previsão é que se consolidem como extensão do nosso próprio corpo.

Proibir ou frear a tecnologia é contraproducente: significa contrariar a própria jornada humana. Contudo, qualquer instrumento tecnológico deve ser utilizado de forma a estabelecer uma experiência profícua. Esse é o dilema no qual está inserido, entre outros, o uso de celulares nas salas de aula.

No livro “Celular: ensaios estatísticos no ensino fundamental”, publicado em 2023, os professores Jonatas Póvoa e Leonardo Mota estudam o caso de uma escola pública da rede municipal de São Paulo. Nesse universo, mais da metade dos alunos ganham seus aparelhos antes dos 10 anos, sem supervisão sobre o uso. Muitos estudantes relatam sintomas como cansaço, vista cansada e dores no pescoço devido ao uso excessivo.

Segundo o relatório “Pisa 2022 Results (Volume 2)”, publicado pela OCDE em 2023, 45% dos estudantes relataram se distrair com o uso de dispositivos digitais durante as aulas no Brasil, enquanto a média da OCDE é de 30%. Além disso, 40% dos alunos brasileiros se distraem com colegas que estão utilizando seus aparelhos, comparado à média de 25% na OCDE. Ou seja, a presença do celular prejudica o aprendizado.

No mesmo sentido, o relatório “A tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem?”, publicado pela Unesco em 2023, aponta que há poucas evidências que comprovem a contribuição das tecnologias para a aprendizagem.

Na pesquisa “Proibição do uso de celulares nas escolas: argumentos e orientações de nove países”, do Centro de Inovação para Excelência das Políticas Públicas, de 2024, é afirmado que a exposição em excesso dos estudantes às telas prejudica a concentração, causa dependência e afeta o desempenho escolar. Por isso, em alguns países, os celulares ficam longe do alcance dos estudantes durante o período de aula.

Já a nota técnica “Programa Escolas Conectadas: pela segurança, responsabilidade e princípios de direitos humanos”, publicada em 2024 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o uso de tecnologias nas instituições educacionais precisa garantir uma conectividade significativa, incentivando o uso de uma ampla gama de recursos, levando em consideração a questão pedagógica, a independência tecnológica e a proteção de dados dos estudantes.

Portanto, em termos pedagógicos, e considerando nossa experiência no magistério público (ensino fundamental, ensino médio e educação superior), os celulares prejudicam o aprendizado, mas a mera proibição tende ao fracasso.

Como boa prática, acordos devem ser realizados entre alunos, familiares e professores, segundo diretrizes estabelecidas pelo conselho escolar e pela direção, mediante uma reflexão crítica sobre o uso responsável das tecnologias.

Inclusive, quando couber, os celulares podem ser utilizados como instrumentos pedagógicos —desde que não promovam desigualdades nas salas de aula.

Se é fato que a posse dos aparelhos é inevitável, também é verdade que o uso indiscriminado e desregulado prejudica a saúde, a segurança e o aprendizado dos estudantes. O caminho é o uso racional, acordado.

 

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2024/06/mera-proibicao-de-celular-nas-escolas-tende-ao-fracasso.shtml#:~:text=Na%20pesquisa%20%22Proibi%C3%A7%C3%A3o%20do%20uso,e%20afeta%20o%20desempenho%20escolar.