Finalmente, entendemos no que resultou o cruzamento de portugueses degredados com indígenas violentados e africanos escravizados.
Desde o começo, a pandemia grifa, sublinha, destaca, expõe as fragilidades de cada país (estado, cidade, bairro, rua, família, indivíduo) por onde passa. Atualmente, o Brasil é responsável por 35% das mortes, por covid-19, NO PLANETA, e esse percentual vai crescendo com assustadora velocidade. Lendo as notícias, vendo a alegria dos conhecidos “good vibes” no feriadão, observando o desespero do pessoal que tá no front gritando pras paredes, sabendo de amigos que passaram a ser agredidos por cumprirem protocolos de proteção, concluo que o que nos coloca nesse lugar é, infelizmente, a pior fragilidade que um povo pode ter: péssimo caráter. É a única explicação.
Não é só falta de educação (doméstica e formal), não é só inoperância do Estado, não são só os abismos sociais, não é apenas o fato de sermos um país de dimensões continentais. Tudo isso conta bastante, mas, se olharmos pro mundo e pra nós, veremos que a receita da tragédia – sem parâmetros – que vivemos, é a mistura disso tudo com um ingrediente especialíssimo: a “ruindade” da mais pura, simples e incontornável. Não haverá campanha de Ministério do Turismo que limpe a nossa imagem, “quando tudo isso passar”. Somos, em nossa imensa maioria, uns bostas. Essa é a verdade.
(Eu olho para a Índia e vejo o tamanho da nossa desgraça. Com sérios problemas sociais e quase 1 bilhão e meio de habitantes – o Brasil tem cerca de 210 milhões – o país tem menos de 200 mil mortes por covid-19, contra nossas quase 330 mil registradas.)
(A Índia, gente.)
(De novo: um país com sérias questões de saneamento e histórica desigualdade social. Só pra você ter uma ideia, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, em 2017, apenas 60% dos indianos tinham acesso a estrutura que possibilitasse, por exemplo, lavar as mãos com água e sabão.)
(É um povo melhor ou os deuses deles são mais legais?)
(Sei lá. Mas tenho minha opinião.)
Bolívia fechou fronteira com o Brasil. Mais um pouco do pouquíssimo que ainda falta a nós, excluídos, marginais no pior sentido da palavra. A pandemia é lente de aumento, espelho na cara da gente e o que ela nos diz é: o brasileiro é o pior povo do mundo, está comprovado. Não me venha, você, fazer a defesa de “muitas pessoas não podem ficar em casa”, colocando nas costas de gente trabalhadora mais essa responsabilidade. Estivessem os frívolos (de todas as profissões e classes sociais) se comportando dentro dos limites da dignidade, nosso lugar seria outro. Isso não é só o que eu penso, mas também o que afirma a ciência, por meio de seus profissionais, implorando por alguma decência coletiva que só surgiria por milagre.
Já vai começar a faltar caixão, mas as pessoas continuam em festa. Enterros em sacos pretos, enquanto familias se reúnem para “chás de revelação” de sexagem de embrião. Grávidas e puérperas brasileiras são as que mais morrem por coronavírus, mas os “ensaios fotográficos de gestante” não param. Cirurgias estéticas rolando, enquanto faltam medicamentos para intubação. Academias abertas, bares lotados, pessoas nas praias, enquanto chegamos aos 5 mil mortos por dia, contando apenas os registrados. Sequelados de covid tentando reabilitação e a galera saindo para esportes coletivos (ciclismo, futebol, canoagem…) na maior cara de pau. Retiros, reuniões “espirituais” com ares de coisa especial quando, na prática, são o que sabemos: aglomerações. De tudo isso, fotos por cima de fotos, vídeos por cima de vídeos e profusão de “stories” nas redes sociais. Não é preciso nem procurar. O brasileiro documenta e publica o próprio mau caratismo, a própria falta de qualquer empatia, noção ou solidariedade. Essas misérias devem até se orgulhar.
Nem com os próprios parentes se preocupam, veja que trágico. O egoísmo sequer inclui o núcleo familiar. Quando morre um de covid, dizem que foi “fatalidade”, se contaminou “por acaso”, “estava em isolamento social”. A mentira deslavada é outro problema com o qual convivemos e compõe o nosso péssimo caráter. Assumir “fui na festa e contaminei meu pai que acabou morrendo”, quase ninguém faz. Também não se diz “aglomeramos e agora um de nós está intubado”. Seria educativo e exemplar, inclusive, mas a covardia também é uma das nossas “qualidades”. Quando chegam as consequências, o que acontece é que passam a pedir “orações” e “pensamentos positivos” nas redes sociais. Quando morre o familiar, um post lamentando e vida que segue, sem que ninguém se implique naquilo. Foi deus que quis. Que descanse em paz.
É muito possível que, em breve, comecemos a contaminar os nossos lençóis freáticos, ao enterrar muitos corpos de vez, sem os caixões, em valas comuns. Sabe o que isso significa? Água e alimentos trazendo outras pandemias bacteriológicas e virais. Que também, certamente, serão tratadas como “fatalidades” pelos que insistem em viver como se nada houvera, matando gente, enquanto se distraem. A humanidade deu certo, sim, em muitos lugares. Mas, aqui, finalmente, entendemos no que resultou o cruzamento de portugueses degredados com indígenas violentados e africanos escravizados. Nascemos da violência, não podia, mesmo, dar em nada que prestasse.
Um povo incapaz de sobriedade, seriedade e solidariedade. Um povo que não respeita seus próprios defuntos. Pária do mundo. Um país excluído. Laboratório do vírus, tubo de ensaio de catástrofe. Um povo que atua como cobaia voluntária do “deixa rolar”, que se volta contra autoridades que tentam um mínimo de controle sobre a peste. Morremos como coletividade. Se, por acaso, deus for mesmo brasileiro (o que duvido demais), pode crer que ele já se picou daqui. Agora é comigo e contigo. É cada um por si. Estamos sozinhos. Só a vacina – urgente, para todos e todas – talvez seja capaz de salvar. Mas isso, claro, se aplicarem de verdade, em vez de apenas fingirem aplicar.
Fonte: https://www.correio24horas.com.br/noticia/nid/brasileiro-e-o-pior-povo-do-mundo-esta-comprovado/