Diretora pede exoneração e afirma que integrantes da pasta aceitam a segregação de alunos com deficiência. “Não é possível discutir apenas com quem pensa igual a nós”, diz o Ministério da Educação.
Luiz Alexandre Souza Ventura
Rosângela Machado pediu exoneração de diretoria na Secadi.
Há um conflito no Ministério da Educação sobre os rumos da inclusão escolar no País. Especialistas em educação especial na perspectiva inclusiva discordam da postura de integrantes do MEC diante das propostas que segregam alunos com deficiência.
Essa divergência já resultou em uma baixa significativa. Rosângela Machado, que comandava a Diretoria de Políticas de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da SECADI (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão), pediu exoneração nesta semana.
“Solicitei minha exoneração pela impossibilidade e retomar a PNEEPEI (Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, aprovada em 2008), pelo cerceamento de minha atuação, isolamento e desrespeito”, afirma a ex-diretora em entrevista exclusiva ao blog Vencer Limites.
“Fui para o MEC em nome de um coletivo que luta pelo direito de todo e qualquer estudante à educação, que não admite mais ter esse direito ameaçado e violado por aqueles que não superaram a visão de deficiência caritativa, capacitista e determinista, e que não aceita a relativização desse direito em função do ‘grau de deficiência’. Esse é o meu compromisso ético com todos e todas que confiaram em mim para trazer de volta a educação inclusiva, sem as ameaças dos espaços segregados”, ressalta Rosângela Machado.
A especialista diz que não teve espaço na Secadi, e que seu trabalho foi censurado pela secretária Zara Figueiredo, comandante do órgão. “O primeiro estranhamento foi quando escrevi um texto sobre o direito incondicional à educação e o termo ‘incondicional’ foi retirado do texto por ela”, comenta. “Retirar a palavra ‘incondicional’ é uma ação muito séria porque reside aí todo o debate das pessoas que dizem acreditar na inclusão, mas na verdade não acreditam e aceitam que é possível excluir alguns estudantes do direito à experiência escolar nos espaços comuns”, acusa.
“O MEC está com dificuldades de entender que as políticas educacionais são resultados de processos validados em conferências e de compreender também que não se pode entrar num tema como inclusão, educação Elespecial na perspectiva da educação inclusiva, educação de jovens e adultos, entre tantos outros assuntos, sem considerar seus representantes que lá estão compondo a equipe”, avalia Rosângela Machado.
O blog Vencer Limites pediu posicionamento ao MEC. “O Ministério da Educação tem pautado sua gestão a partir do diálogo, que ocorre nas relações internas, com os agentes políticos e com a sociedade civil. O diálogo interno é parte da agenda cotidiana de trabalho de um gestor público”, declarou a pasta em nota.
Segregação – No último dia 10 de maio, uma audiência pública conjunta das comissões de Educação e de Assuntos Sociais do Senado discutiu as condições de escolas e de instituições especializadas no ensino de pessoas com deficiência, evento liderado por Damares Alves (Republicanos) e Flávio Arns (PSB).
A maioria das entidades presentes e de seus representantes está ligada à institucionalização de crianças com sequelas severas. Havia poucos defensores da PNEEPEI de 2008. Segundo fontes ouvidas pelo blog Vencer Limites, essa ausência tem base na certeza de que a educação inclusiva está protegida pelo governo Lula.
Para Rosângela Machado, essa inércia é perigosa e abre caminhos para o avanço de iniciativas centralizadas na exclusão seletiva.
“Sim, há discordâncias internas que orbitam sobre a distorção da Educação Especial e do Atendimento Educacional Especializado. Desde o início alertei a secretária que modificações nas premissas da atuação da Educação Especial seriam inconciliáveis. A PNEEPEI modificou profundamente o papel da Educação Especial, outrora entendida como responsável por ensinar os conteúdos curriculares em ambientes apartados ou até mesmo realizar planejamentos e ensino diferenciado dentro da própria escola comum, produzindo e reproduzindo práticas excludentes. O presidente Lula revogou o Decreto 10.502/2020, cujo objetivo era revogar a PNEEPEI/2008, retomando o modelo de segregação escolar e interrompendo o avanço da Educação Inclusiva no Brasil. Foi um ato de retomada da PNEEPEI já na sua posse. Eu lamento que isso não tenha sido compreendido pelo MEC”, observa a ex-diretora.
O MEC, por sua vez, defendeu o diálogo e a participação social nas políticas educacionais.
“Não é possível receber e discutir apenas com quem pensa igual a nós. Isso contraria o princípio do governo, além de não encontrar amparo nas teorias educacionais ou de gestão pública. Assim, a SECADI tem recebido todos aqueles que buscam pensar a Educação Especial, ultrapassando a marca de 20 encontros com movimentos sociais, associações, parlamentares e outros atores que atuam no campo. Nesses encontros, acolhemos e ouvimos as propostas apresentadas pelos movimentos sociais, deputados, senadores e pesquisadores. Em todos os momentos, reafirmamos o nosso compromisso com a Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, evidenciado na revogação do Decreto 10.502/2020, em primeiro de janeiro de 2023”, pontuou o Ministério da Educação.
Audiência pública conjunta das comissões de Educação e de Assuntos Sociais do Senado discutiu as condições de escolas e de instituições especializadas no ensino de pessoas com deficiência.
Leia a resposta completa do MEC.
“A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva PNEEPEI é um marco na história da educação brasileira. Sua publicação em 2008 traduziu valores culturais, pedagógicos e políticos baseados nos direitos humanos mediante concepções contemporâneas que combinam igualdade e diferença na formulação de políticas de equidade. A publicação da PNEEPEI permitiu que as redes de ensino se articulassem baseadas nesses princípios resultando no aumento do número de matrículas de pessoas com deficiência incluídas em salas de aula regulares: em 2008 o número era de 54% passando para 98% em 2018.
A SECADI/MEC é parte significativa desse processo. Nascida em 2004 como Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos e Diversidade (SECDAD), em 2011 adotou a INCLUSÃO como um dos vetores de suas ações tornando-se SECADI. Nesses termos, pode-se afirmar que a SECADI é o símbolo maior da institucionalização das lutas sociais pela educação inclusiva na estrutura do Estado brasileiro.
Nos últimos quatro anos a agenda da educação especial na perspectiva inclusiva sofreu enormes mudanças, sobretudo, pela extinção da SECADI, através do Decreto nº 9.465 de 02 de janeiro de 2019 e, no ano seguinte, pela publicação do Decreto 10.502/2020, que introduziu mudanças significativas na forma dos órgãos públicos coordenarem as políticas voltadas para o atendimento das pessoas com deficiência e promoção da educação inclusiva.
Através da recriação da SECADI em 2023, a educação especial na perspectiva inclusiva volta ao centro do planejamento e das ações da SECADI. Ao longo desses primeiros meses, a SECADI tem asseverado o seu compromisso com a Educação Especial na perspectiva inclusiva. Perspectiva que ficou evidente quando, em 01 de janeiro de 2023, o Presidente Lula revogou o Decreto 10.502/2020.
Além disso, o Ministério da Educação tem pautado a sua gestão a partir do diálogo. Diálogo que ocorre nas relações internas, com os agentes políticos e com a sociedade civil. O diálogo interno é parte da agenda cotidiana de trabalho de um gestor público.
Não é possível receber e discutir apenas com quem pensa igual a nós. Isso contraria o princípio do governo, além de não encontrar amparo nas teorias educacionais ou de gestão pública. Assim, a SECADI tem recebido todos aqueles que buscam pensar a Educação Especial, ultrapassando a marca de 20 encontros com movimentos sociais, associações, parlamentares e outros atores que atuam no campo. Nesses encontros, acolhemos e ouvimos as propostas apresentadas pelos movimentos sociais, deputados, senadores e pesquisadores. Em todos os momentos, reafirmamos o nosso compromisso com a Educação Especial na Perspectiva Inclusiva, evidenciado na revogação do Decreto 10.502/2020, em primeiro de janeiro de 2023.
Além disso, a SECADI está retomando a participação social nas políticas educacionais e instituirá a Comissão Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e tem participado, quando convidada, dos debates que são promovidos pela Câmara e pelo Senado, seguindo o princípio de diálogo e respeito entre os poderes.
Por fim, reafirmamos o compromisso desta gestão de fortalecer a educação especial na perspectiva inclusiva, expressa no nome da Diretoria responsável pela pauta, e de promover uma educação com qualidade e equidade a todas às pessoas”.