‘Meu filho autista começou a falar um mês depois de passar a usar cannabis medicinal’

Diagnosticado com autismo de nível 3 de suporte, Benício passou a se comunicar de forma funcional, pedindo o que quer e entendendo comandos simples após iniciar o tratamento com remédio derivado da maconha

Por Marcella Centofanti, Em Colaboração para Marie Claire — São Paulo

 

Quando Benício tinha cerca de um ano e meio, a administradora de empresas Milena Bastos Cerqueira, de 42 anos, percebeu que seu caçula não interagia com outras crianças. Mãe e filho embarcaram numa jornada que levou ao diagnóstico de autismo de nível 3 de suporte, considerado severo, na criança. Benício começou a falar somente aos 4 anos e meio, um mês após começar a utilizar cannabis medicinal.

Diante dos primeiros sinais de algo estranho, Cerqueira levou o filho à pediatra. A médica cogitou tratar-se de uma consequência do isolamento social imposto pela pandemia da Covid-19, e sugeriu esperar mais um pouco.

Diagnóstico de autismo

Benício não melhorou, e a mãe decidiu procurar uma fonoaudióloga. Foi a partir dessa consulta que a necessidade de buscar um neurologista se tornou evidente. O diagnóstico de autismo nível 3 de suporte chegou como uma bomba para a família.

“Eu não sentia minhas pernas. É difícil encontrar palavras. A única referência que eu tinha era o filho de Marcos Mion. Eu não convivi com nenhuma criança autista”, desabafa a administradora, que mora em Feira de Santana (BA).

A mãe teve as dúvidas que passam pela cabeça de quem recebe um novo diagnóstico. O que é autismo? Como a sociedade vai tratar uma criança com essa condição? Como uma mãe pode ajudar um filho no espectro? “Tivemos que mudar a rota daquela expectativa que a gente faz quando está grávida. Graças a Deus, eu tive minha família ao redor para me apoiar”, afirma Cerqueira.

Tratamento com cannabis

Benício não falava, não compreendia o que lhe diziam nem obedecia comandos. “Era uma criança apática, que só gostava de rodar e enfileirar [objetos]”, conta a administradora. A mãe estudou e tentou reproduzir em casa as atividades sugeridas por terapeutas. Após dois anos e meio de tratamento, a criança se desenvolveu, mas a fala continuava travada. Foi então que a médica sugeriu o uso de cannabis medicinal.

“A neurologista explicou tudo sobre as experiências com cannabis e disse que era o único medicamento que ela daria ao Benício naquele momento” afirma Cerqueira. Com o consentimento dos pais, a criança começou a tomar o remédio e falou suas primeiras palavras após 30 dias de uso do produto.

A família ficou incrédula. “Foi uma felicidade tremenda. A compreensão e as imitações começaram a surgir. Cada dia era uma nova conquista” celebra Milena. Em seis meses, Benício passou a se comunicar de forma funcional, pedindo o que quer e entendendo comandos simples.

Além disso, Cerqueira fez uma descoberta incrível: “Quando a fala veio, aos 4 anos e meio, percebemos que Benício já sabia ler. Ele falava as cores e contava os números em inglês.”

Atualmente, a criança toma seis gotas de cannabis medicinal de manhã e seis gotas à noite. O tratamento trouxe mais qualidade de vida para o menino e sua família. As crises diminuíram, e Benício tornou-se mais capaz de expressar seus desejos e necessidades.

Indicações da cannabis medicinal

Os benefícios da cannabis à saúde já foram comprovados por diversos estudos clínicos. Mariana Maciel, diretora-médica da Thronus Medical, enumera algumas condições que podem ter indicação de remédios derivados da maconha:

– Autismo;
– Epilepsia;
– Dor neuropática;
– Esclerose múltipla;
– Psicose;
– Dependência de uso de substâncias;
– Sintomas relacionados ao câncer (vômito, náusea e perda de apetite);
– Desordens do sono.

No uso medicinal, a cannabis pode ser utilizada de diversas formas, como soluções orais, gomas mastigáveis, cremes, supositórios, adesivos e intranasal.

Os remédios podem levar somente canabidiol (CBD) ou também tetra-hidrocanabinol (THC), ambos componentes da maconha com propriedades medicinais. A primeira substância não é psicoativa e, portanto, não causa o barato associado à erva. A segunda pode dar barato sim, dependendo da dosagem.

“O lema da medicina canabinoide é começar com uma baixa dosagem e subir devagar, para que o paciente não tenha efeito psicoativo”, afirma Maciel.

No caso de crianças com autismo, a diretora-médica diz preferir iniciar o tratamento com fármacos sem TCH. “Mas nada impede começar com uma concentração de 0,3% de THC, por exemplo”, diz.

Como a cannabis age no organismo

O mecanismo para compreender o funcionamento bioquímico da maconha e suas propriedades medicinais foi desvendado pelo cientista israelense Raphael Mechoulam.

Segundo a diretora-médica, na década de 90, o grupo de pesquisa liderado por Mechoulam descobriu que todos nós temos um sistema chamado endocanabinoide, assim como também temos os sistemas cardiovascular, respiratório, urinário etc.

“Esse sistema se conecta a todos os tecidos e órgãos do corpo para garantir o equilíbrio fisiológico das nossas reações biológicas. Por isso, ao modulá-lo, eu consigo impactar diversas condições”, explica Maciel.

A ciência apontou que em algumas condições, entre elas o autismo, a pessoa pode ter uma deficiência desse sistema endocanabinoide. “Quando a gente suplementa o organismo com os canabinoides da planta cannabis, consegue modular esse tônus e os sintomas relacionados ao seu desequilíbrio”, esclarece a diretora-médica

Fonte: https://revistamarieclaire.globo.com/saude/noticia/2024/08/meu-filho-autista-comecou-a-falar-um-mes-depois-de-passar-a-usar-cannabis-medicinal.ghtml